De um lado, pântano. Do outro, ruínas do que um dia foi uma vizinhança. A casa de Marta Maria da Silva é a última de pé na viela dos Peixes, na Vila Aimoré, um dos bairros mais afetados pelas enchentes na várzea do rio Tietê, zona leste de São Paulo.
Todas as casas em volta foram derrubadas pela prefeitura por estarem numa APA - Área de Proteção Ambiental. Foram demolidas a marretadas, porque nenhuma máquina passa naquela área de pântano.
· Especial São Paulo
A casa de dona Marta permanece intacta. Por enquanto. Ela já se convenceu de que não há mais como ficar. A água acumulada entre tijolos e blocos de concreto é foco de mosquitos. Parece um milagre a dengue ainda não ter chegado. A leptospirose, porém, já é uma realidade. O menino Isaac de Souza Lima, de seis anos, morreu no final de dezembro.
Dona Marta divide a casa com duas irmãs. Todas são casadas. E são nove crianças - 15 pessoas morando sob o mesmo teto. Elas só não saíram dali por discordarem da política da prefeitura de oferecer apenas um seguro-aluguel para todos. Argumentam que são três famílias, e, portanto, mereceriam três seguros. "Se a gente ficar só com R$ 300, não vai achar lugar que caiba todo mundo", diz Dona Marta.
A expectativa é que a burocracia diminua com o estado de "calamidade pública" decretado pelo prefeito Gilberto Kassab na noite de terça-feira. A medida vale para todos os bairros da região afetada: Jardim Romano, Chácara Três Meninas, Vila das Flores, Jardim São Martino, Jardim Novo Horizonte, Vila da Paz, Jardim Santa Margarida, Vila Seabra, Jardim Noêmia, Vila Itaim e Vila Aimoré, onde fica a casa de Dona Marta. O decreto determina que "os setores competentes devem adotar, de imediato, as providências atinentes à realização de obras, contratação de serviços e compras necessárias, em caráter emergencial, pelo período de 90 (noventa) dias."
O defensor público Bruno Miragaia, responsável pela Regional Leste, explicou que "há uma desburocratização geral do poder público numa situação como essa. Gente que perdeu tudo vai ter facilidade para movimentar o FGTS e ter acesso a linhas de crédito de bancos estatais. Até a coleta de lixo naquela área será facilitada e intensificada."
A viela dos Peixes, onde fica a casa de Dona Marta, está a apenas 400 metros da estação Itaim Paulista da CPTM. A região conta com toda a infraestrutura de um bairro como outro qualquer, com mercados, casas lotéricas, bares, restaurantes. Mas conforme nos aproximamos da margem do rio Tietê, a paisagem vai ficando mais pobre - e encharcada. "Já teve outras enchentes, mas igual a essa, nunca vi", diz Dona Marta.
As casas da viela do Peixe já seriam desapropriadas por estarem numa APA. A enchente apressou a remoção. E ninguém estava pronto - tanto os governos estadual e municipal, que não dispunham de locais para relocar todas as famílias a serem despejadas, como as próprias pessoas, que ainda confiavam na permanência no lugar onde sempre viveram.
Embora a área tenha começado a ser habitada ainda no século 19, foi a partir da última década de 60, com o crescimento urbano desenfreado, que bairros inteiros passaram a brotar entre a linha férrea da CPTM e o rio Tietê. O crescimento foi desordenado. Muitas casas, como as da viela dos Peixes, foram erguidas em áreas pantanosas. Daí o fato de a região ser chamada de Jardim Pantanal.
Por:Juliano Costa
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LILI LARANJO